sexta-feira, 18 de junho de 2010

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O NEOPRODUTIVISMO E SUAS VARIANTES: NEO-ESCOLANOVISMO, NEOCONSTRUTIVISMO, NEOTECNICISMO (1991-2001)

Autor: Dermeval Saviani

          O final da década de 1980 já prenunciava as dificuldades crescentes enfrentadas pelas correntes pedagógicas "de esquerda" no contexto brasileiro. O vigoroso movimento dos educadores, cuja manifestação mais conspícua era dada pela CBEs, de periodicidade bienal, entrava em refluxo. Sintoma dessa situação foi a própria dificuldade de organização da VI CBE, que deveria ser realizada em 1990 e acabou acontecendo apenas em setembro de 1991. Epílogo da série das CBEs, essa conferência encerrou também mais uma fase da história da idéias pedagógicas no Brasil, o que se petenteia no tratamento dos temas que integraram sua programação.
          O tema central do evento, "Política nacional de educação", foi distribuido por cinco temas básicos, por sua vez desdobrados em 35 temas específicos trabalhados em 21 simpósios e 14 mesas-redondas. Além do livro de resumos, os trabalhos completos foram publicados pela Editora Papirus em cinco volumes versando, respectivamente, sobre os cinco temas básicos, a saber, "Escola básica", "Estado e educação", "Sociedade civil e educação", "Trabalho e educação" e "Universidade e educação".
          Compreensivelmente é no âmbito dos temas "Estado e educação" e "Trabalho e educação" que se encontram as análises explicitadoras da nova fase que caracterizará a década de 1990. Em "Estado e educação" já aflorou explicitamente a problemática do neoliberalismo nos simpósios "A crise do Estado e o neoliberalismo: perspectivas para a democracia e a educação na América Latina"; " público e o privado: trajetória e contradições da relação Estado e educação"; e "Impasses e alternativas no financiamento das políticas públicas para a educação" (COLETÂNEA CBE, 1992a). Em "Trabalho e educação" o problema da mudança das bases produtivas foi abordado em vários momentos, com destaque para os simpósios "As mudanças tecnológicas e a educação da classe trabalhadora" e "Os impactos da revolução tecnológica: transformação dos processos produtivos e qualificação para o trabalho" (COLETÂNEA CBE, 1991B). Mas a problemática própria dos anos de 1990 fez-se presente também nos demais temas. Assim, por exemplo, no que se refere à "Escola básica", destaca-se o trabalho de Luiz Carlos de Freitas, significativamente denominado "Conseguiremos escapar ao neotecnicismo?" (COLETÂNEA CBE, 1992C). Em "Sociedade civil e educação" temos o texto de Paulo José Duval da Silva Krischke, "A desmobilização dos movimentos sociais no governo Collor", além de todo um simpósio dedicado ao tema da "produção da exclusão social: violência e educação" (COLETÂNEA CBE, 1992d). Em "Universidade e educação", mesa-redonda "Condições de sobrevivência das universidades federais" (COLETÂNEA CBE, 1992e) tratou de questões relacionadas com a nova concepção de Estado (o chamado Estado mínimo), ainda que essa relação não tenha sido explicitada de forma direta.
          O clima cultural próprio dessa época vem sendo chamado de "pós-moderno", desde a publicação do livro de Lyotard, A condição pós-moderna, em 1979. Esse momento coincide com a revolução da informática. Se o moderno se liga à revolução centrada nas máquinas mecânicas, na conquista do mundo material, na produção de novos objetos, a pós-modernidade centra-se no mundo da comunicação, nas máquinas eletrônicas, na produção de símbolos. Isso significa que antes de produzir objetos se produzem os símbolos; ou seja, em lugar de experimentar, como fazia a modernidade, para ver como a natureza se comporta a fim de sujeitá-la aos designios humanos, a pós-modernidade simula em modelos, por meio de computadores, a imagem dos objetos que pretende produzir. "O recurso aos grandes relatos está excluído" (LYOTARD, 2002, p.111). Se a "ciência moderna" se legitimava pelo discurso filosófico, isto é, pelas metanarrativas, a ciência "pós-moderna" caracteriza-se pela "incredulidade em relação aos metarrelatos" (idem, p.xvi), baseada numa pragmática que comporta diferentes jogos de linguagem (idem, ibidem). A questão da operacionalização e dos comportamentos observáveis regida pelos critérios da eficiência, trabalhada pela psicologia behaviorista, faz-se presente, mas refuncionalizada. A legitimação tanto da pesquisa (idem. pp. 77-78) como do ensino (idem, pp. 88-98) se dá pelo desempenho, pelas competências que forem capazes de instaurar. Mas Lyotard adverte sobre a inconsistência da "lógica do melhor desempenho" (idem, p. xvii) postulando que a ciência pós-moderna "sugere um modelo de legitimação que não é de modo algum o da melhor performance, mas o da diferença como paralogia" (idem, p. 108).
          Em termos econômico-políticos, a denominação que se generalizou é "neoliberalismo"". Se o clima pós-moderno remete ao livro de Lyotard, o neoliberalismo remete ao Consenso de Washington. Essa expressão decorreu da reunião promovida em 1989 por John Williamson no International Institute for Economy, que funciona em Washington, com o objetivo de discutir as reformas consideradas necessárias para a América Latina. Os resultados dessa reunião foram publicados em 1990. Na verdade, Williamson denominou Consenso de Washington o conjunto das recomendações saídas da reunião porque teria constatado que se tratava de pontos que gozavam de certa unanimidade, ou seja, as reformas sugeridas eram reclamadas pelos vários organismos internacionais e pelos intelectuais que atuavam nos diversos institutos de economia. Ora essa constatação reflete os rumos tomados pela política mundial após a ascensão de Margaret Thatcher, na Inglaterra, que governou entre 1979 e 1990, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, cujo governo se estendeu de 1981 a 1989. Tais governos assim como o de Kohl, que governou a Alemanha entre 1982 e 1998, representavam a posição conservadora nos respectivos países e se instauraram sob o signo do ultraliberalismo de Hayek e do monetarismo de Milton Friedman, cujo prestígio na década de 1970 pode ser aferido pela obtenção do Prêmio Nobel de Economia em 1974 e 1976, respectivamente. Esse novo pensamento hegemônico convergia em torno de um denominador comum: "o ataque ao estado regulador e a defesa do retorno ao estado liberal idealizado pelos clássicos" (FIORI, 1998, p. 116). Ainda segundo Fiori, a reordenação empreendida implicou, no campo econômico, a elevação ao status de valor universal de políticas como o equilíbrio fiscal, a desregulação dos mercados, a abertura das economias nacionais e a privatização dos serviços públicos; no campo político, a crítica às democracias da massa (idem, ibidem).
          No que se refere à América Latina, o consenso implicava, em primeiro lugar, um programa de rigoroso equilíbrio fiscal a ser conseguido por meio de reformas administrativas, trabalhistas e previdenciárias tendo como vetor um corte profundo nos gastos públicos. Em segundo lugar, impunha-se uma rígida política monetária visando à estabilização. Em terceiro lugar, a desregulação dos mercados tanto financeiro como do trabalho, privatização radical e abertura comercial. Essas políticas que inicialmente tiveram de ser, de algum modo, impostas pelas agências internacionais de financiamento mediante as cham,adas condicionalidades, em seguida perdem o caráter de imposição, pois são assumidas pelas prórpias elites econômicas e políticas dos países latino-americanos.
          Nesse novo contexto, as idéias pedagógicas sofrem grande inflexão: passa-se a assumir no próprio discurso o fracasso da escola pública, justificando sua decadência como algo inerente à incapacidade do Estado de gerir o bem comum. Com isso se advoga, também no âmbito da educação, a primazia da iniciativa privada regida pelas leis do mercado.
           Não é fácil caracterizar em suas grandes linhas essa nova fase da idéias pedagógicas. Isso porque se trata de um momento marcado por descentramento e desconstrução das idéias anteriores, que lança mão de expressões intercambiáveis e suscetíveis de grande volatilidade. Não há, poi, um núcleo que possa definir positivamente as idéias que passam a circular já nos anos de 1980 e que se tornam hegemônicas na década de 1990. Por isso sua referência se encontra fora delas, mais precisamente nos movimentos que as precederam. Daí que sua denominação tenda a se fazer lançando mão das categorias precedentes às quais se antepõem prefixos do tipo "pós" ou "neo". Não obstante, será feito um esforço, a seguir, de ordenar um pouco essas idéias a partir daquilo que poderíamos considerar suas categorias centrais: neoprodutivismo, neo-escolanovismo, neoconstrutivismo, neotecnicismo.

1 . As bases econômico-pedagógicas: reconversão produtiva, neoprodutivismo e a "pedagogia da exclusão"

          A crise da sociedade capitalista que eclodiu na década de 1970 condiziu à reestruturação dos processos produtivos, revolucionando a base técnica da produção e conduzindo à substituição do fordismo pelo toyotismo. O modelo fordista apoiava-se na instalação de grandes fábricas operando com tecnologia pesada de base fixa, incorporando os métodos tayloristas de racionalização do trabalho; supunha a estabilidade no emprego e visava à produção em série de objetos estandardizados, em larga escala, acumulando grandes estoques dirigidos ao consumo de massa. Diversamente, o modelo toyotista apóia-se em tecnologia leve, de base microeletrônica flexível, e opera com trabalhadores polivalentes visando à produção de objetos diversificados, em pequena escala, para atender à demanda de nichos específicos do mercado, incorporando métodos como o just in time que dispensam a formação de estoque; requer trabalhadores que, em lugar da estabilidade no emprego, disputem diariamente cada posição conquistada, vestindo a camisa da empresa e elevando constantemente sua produtividade.
          Nessas novas condições reforçou-se a importância da educação escolar na formação desses trabalhadores que, pela exigência da flexibilidade, deveriam ter um preparo polivalente apoiado no domínio de conceitos gerais, abstratos, de modo especial aqueles de ordem matamática. Manteve-se, pois, a crença na contribuição da educação para o processo econômico-produtivo, marca distintiva da teoria do capital humano. mas seu significado foi substantivamente alterado.
          Na verdade, essa teoria surgiu no período denominado pela economia keynasiana e pela política do Estado de bem-estar, que, na chamada era de ouro do capitalismo, preconizavam o pleno emprego. Assim, a versão originária da teoria do capital humano entendia a educação como tendo por função preparar as pessoas para atuar num mercado em expansão que exigia força de trabalho educada. À escola cabia formar a mão-de-obra que progressivamente seria incorporada pelo mercado, tendo em vista assegurar a competitividade das empresas e o incremento da riqueza social e da renda individual.
          No entanto, após a crise da década de 1970, a importância da escola para o processo econômico-produtivo foi mantida, mas a teoria do capital humano assumiu um novo sentido. O significado anterior estava pautado numa lógica econômica centrada em demandas coletivas, tais como o crescimento econômico do país, a riqueza social, a competitividade das empresas e o incremento dos rendimentos dos trabalhadores. O significado que veio a prevalecer na década de 1990 deriva de um lógica voltada para a satisfação de interesses privados, "quiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho" (GENTILI, 2002, p. 51).
          Nesse novo contexto não se trata mais da iniciativa do Estado e das instâncias de planejamento visando a assegurar, nas escolas, a preparação da mão-de-obra para ocupar  postos de trabalho definidos num mercado que se expandia em direção ao pleno emprego. Agora é o indivíduo que terá de exercer sua capacidade de escolha visando a adquirir os meios que lhe permitam ser competitivo no mercado de trabalho. E o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o ecesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade. A educação passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. O acesso a diferentes graus de escolaridade amplia as condições de empregabilidade do indivíduo, o que, entretanto, não lhe garante emprego, pelo simples fato de que, na forma atual do desenvolvimento capitalista, não há emprego para todos: a economia pode crescer convivendo com altas taxas de desemprego e com grandes contingentes populacionais excluídos do processo. É o crescimento excludente, em lugar do desenvolvimento inclusivo que se busca atingir no período keynesiano. A teoria do capital humano foi, pois, refuncionalizada e é nessa condição que ela alimenta a busca de produtividade na educação. Eis por que a concepção produtivista, cujo predomínio na educação brasileira se iniciou na década de 1960  com a adesão à teoria do capital humano, mantém a hegemonia nos anos de 1990, assumindo a forma do neoprodutivismo.
          A ordem econômica atual, denominada pós-fordista e pós-keynesiana, pressopõe, ou melhor, assenta-se na exclusão, categoria que comparece duplamente: ela é pressuposta, num primeiro sentido, na medida em que se admite, preliminarmente, que na ordem econômica atual não há lugar para todos. Portanto, boa parte daqueles que atingem a idade para ingressar na População Economicamente Ativa (PEA) nela nem sequer chega a entrar. Num segundo sentido, a exclusão é pressuposta porque, incorporando crescentemente a automação no processo produtivo, a ordem econômica atual dispensa, também de forma crescente, mão-de-obra. Estimulando a competição e buscando maximizar a produtividade, isto é, o incremento do lucro, a extração de mais-valia, ela rege-se por uma lógica que estabelece o predomínio do mercado morto (capital) sobre o trabalho vivo, conduzindo à exclusão deliberada de trabalhadores. É isso que se  patenteia no empenho constante, tanto por parte das empresas como por parte dos governos, em conseguir reduzir a folha salarial e os gastos trabalhistas e previdenciários.
          Configura-se, então, nesse contexto, uma verdadeira "pedagogia da exclusão".
 










quinta-feira, 19 de novembro de 2009

OS GÊNEROS DO DISCURSO E O TEXTO ESCRITO NA SALA DE AULA UMA CONTRIBUIÇÃO AO ENSINO

Autora: Maria Angélica Freire de Carvalho (UERJ, UNICAMP)

...o texto é um construto histórico e social, extremamente complexo e multifacetado, cujos segredos (quase ia dizendo mistérios) é preciso desvendar para compreender melhor esse "milagre" que se repete a cada nova interlocução - a interação pela linguagem, linguagem que, como dizia Carlos Franchi, é atividade construtiva. (Ingedore G. Villaça Koch: Nov/2001).

          O objetivo deste texto é o de retomar a questão dos gêneros textuais, elucidada por Mikhail Bakhtin, bem como o de apresentar as particularidades e as características de tal abordagem. E a partir disto, verificar o entremeio teoria e prática de ensino no tocante à produção de textos na escola. Outro ponto abordado é a relação entre aquela concepção linguistico-enunciativa e as diretrizes que norteiam os currículos escolares e os seus conteúdos mínimos, na área de Linguagem, refletindo a função do professor no exercício pedagógico.
          Destaca-se como ponto de partida para este texto um dos aspectos sobre o ensino de Língua Portuguesa apresentado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, os famigerados PCNs, diretrizes que norteiam os currículos e seus conteúdos mínimos, novo caminho aludido como saída para muitos impasses na área educacional: os gêneros textuais como objeto de ensino.
          Sabe-se que, naquele documento, os conteúdos de Língua Portuguesa encontram-se distribuidos em dois eixos de práticas de discursivas: usos de linguagem e reflexão sobre língua e a linguagem. Aqui, ressalta-se o eixo usos de linguagem, o qual tem como enfoque o caráter enunciativo desta, o que permite nomear as seguintes preocupações de estudo: a historicidade da linguagem; o contexto de produção dos enunciados; a produção de textos orais e escritos; o modo como o contexto de produção contribui para a organização do discurso, ou seja, para as tipologias comunjicacionais (gêneros e suportes). Disto, conclui-se que o texto é considerado unidade de ensino e os gêneros textuais, objetos de ensino.
          Passa-se a refletir, então, sobre tais objetos de ensino, focalizando o entrelace entre os gêneros discursivos e a produção textual na escola. A concepção para a proposta de organização dos gêneros discursivos se pauta num enfoque linguístico-enunciativo, como já se mencionou, que tem como pano de fundo a teoria dos gêneros do discurso, conforme Mikhail Bakhtin (2000: 279-287).
          BAKHTIN argumenta que dentro de uma dada situação linguística o falante/ouvinte produz uma estrutura comunicativa que se configurará em formas-padrão relativamente estáveis de um enunciado, pois são formas marcadas a partir de contextos sociais e históricos. Em outras palavras, tais formas estão sujeitas a alterações em sua estrutura, dependendo do contexto e dos falantes/ouvintes que produzem, os quais atribuem sentido a determinado discurso. Logo, conclui-se que são muitas e variadas as formas dos gêneros textuais (BAKHTIN, 1953/2000: 279).
          Nas palavras deste autor, os gêneros textuais são "tipos relativamente estáveis de um enunciado" (idem, p.279 e 281) e que dada a riqueza e a variedade dos tipos [1], eles podem ser separados em dois grupos: gêneros primários - aqueles que fazem parte da esfera cotidiana da linguagem e que podem ser controlados diretamente na situação discursiva, tais como: bilhetes, cartas, diálogos, relato familiar, ... - e gêneros secundários - trata-se de textos, geralmente mediados pela escrita, que fazem parte de um uso mais oficializado da linguagem; dentre eles, o romance, o teatro, o discurso científico, ..., os quais, por esta razão, não possuem o imediatismo do gênero anterior.
          Entretanto, os gêneros secundários acabam, de certo modo, suplantando os gêneros primários, considerando-se que estes fazem parte de uma troca verbal espontânea, e que aqueles representam uma intervenção nesta espontaneidade, pois se apresentam de modo mais complexo e, geralmente [2], escrito. Não é absurdo dizer que os gêneros primários sãoinstrumentos de criação dos gêneros secundários. Daí, podem-se apontar as características dos gêneros textuais: são formas-padrão de um enunciado que possuem conteúdo, uma estruturação específica e mutável a partir de relações estabelecidas entre os interlocutores; do mesmo modo, um estilo ou certa configuração de unidades linguísticas.
          O professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra, SCHNEUWLY, (Apud ROJO, R>H>R, texto mimeografado, p.2) define os gêneros como instrumentos, mega-instrumentos, de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares; principalmente, no tocante à produção e à compreensão de textos orais ou escritos. Ele ressalta que neste processo estão envolvidos elementos centrais da atividade humana: sujeito, ação, instrumento. Enquanto sujeito, o enunciador age discursivamente; na ação, tem-se a situação comunicativa definida e no que diz respeito ao instrumento, configura-se parâmetros, gêneros que são pinçados de acordo com a situação. Tanto aquele autor como BRONCKART [3] argumentam, ainda, que tais realizações são apontadas como capacidades: capacidade de ação: adaptação às características do contexto e do referente: capacidade discursiva: mobilização de modelos discursivos; capacidade linguístico-discursiva: dominio de operações psicolinguísticas e das unidades linguísticas.
          Com estas postulações, vê-se que os modos de organização do discurso e a organização estrutural dos enunciados são resultantes da situação de produção daquele(s) discurso(s); assim, é necessário delinear os gêneros do discurso, citando a situação de produção, o tema, a forma composicional, as marcas linguísticas, etc e disponibilizá-los aos produtores/alunos e aos orientadores/professores para uma prática efetiva da linguagem. Para tel, é importante considerar, segundo SCHNEUWLY (texto mimeografado, p.11), o modo como se operam as escolhas discursivas:
          a) psicologicamente, um tipo de texto é o resultado de uma ou de várias operações de linguiagem efetuadas no curso do processo de produção;
        b) estas operações podem, em especial, dizer respeito às seguintes dimensões:
                 * definição da relação à situação material de produção, tendo como possibilidades uma relação de implicação ou uma relação autônoma;
                 * definição de uma relação enunciativa com o dito, tratado como disjunto, pertencente a um outro mundo, linguisticamente criado, ou tratado como conjunto, pertencente a este mundo;
             * provavelmente, a isto se somam decisões sobre os modos de geração de conteúdos (DOLZ, 1987), que podem descrever, por exemplo, referindo-nos aos tipos de sequencialidades distinguidas por ADAM[4] (1992);
          c) levando em conta o que foi dito anteriormente, fazemos ainda a hipótese suplementar de que estas operações não se tornamdisponíveis de uma só vez, mas que se constroem no curso do desenvolvimento.
          Para BRONCKART (1994), os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do agente produtor uma série de decisões que ele necessita ter competência para executar: a primeira delas, é a escolha que deve ser feita a partir do rol de gêneros existentes, em que ele escolherá aquele que lhe parece adequado ao contexto e à intenção comunicativa; e a segunda, é a decisão e a aplicação que poderá acrescentar algo a forma destacada ou recriá-la. Este autor conclui:
             A escolha do gênero deverá, portanto, levar em conta os objetivos visados, o lugar social e os papéis dos participantes. Além disso, o agente deverá adaptar o modelo do gênero a seus valores particulares, adotando um estilo próprio, ou mesmo contribuindo para a cosntante transformação dos modelos. (BRONCKART, 1994). 
          No tocante à ação pedagógica, disponibilizarem-se aos alunos modelos de textos não é o bastante, é preciso encaminhar uma reflexão maior sobre o uso de cada um deles, do mesmo modo, considerar o contexto de uso e os seus interlocutores. Por isto, é imprescindível abarcar a questão dos gêneros discursivos como um quesito central do trabalho com a linguagem na escola. Não se pretende, somente, às tipologias textuais: narração, descrição, argumentação, injunção, etc.; pois, afinal, estas senquencialidades mesclam-se nos variados gêneros discursivos, constituindo-os em formas híbridas destinadas a um propósito comunicativo que se relacionará às práticas sócio-comunicativas vigentes.
          Este quesito se fortifica ainda mais ao se levar em conta que é a partir dele que outros aspectos relacionados ao ensino da Língua são vistos: avaliar as formas existentes, observar o plano composicional e verificar as situações de uso são ações que precisam ser bem orientadas para que a produção e a compreensão da linguagem se realizem de modo significativo. Consequentemente, tem-se, como se definiu a princípio, a língua como unidade de ensino e os gêneros como objeto deste.
          Deste modo, do que foi exposto, pode-se concluir que é de extrema importância a utilização em sala de aula, independente da disciplina de estudo, de diferentes gêneros textuais. O professor/orientador deve chamar a atenção do aluno/produtor para o plano composicional, o conteúdo temático e o estilo pertencentes a determinado texto que se pretende produzir e /ou que se está em interação. Com isto, certamente, ele estará contribuindo para a construção do(s) sentido(s) do texto, o que confirma a imbricação entre produção e compreensão daqueles. De acordo com KOCH (2002:53):
               O contato com os textos da vida cotidiana, como anúncios, avisos de toda a ordem, artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias turísticos, literatura de apoio à manipulação de máquinas, etc., exercita a nossa capacidade metatextual para a construção e intelecção de textos. (Grifos nossos).
          É compreensível que quanto maior for o contato do aluno com os diferentes tipos de textos, quer sejam oriundos da esfera social cotidiana (diálogos, cartas, bilhetes, ...), quer sejam provenientes de uma esfera pública e mais complexa de interação verbal (discurso científico, teatro, romance, ...) maior será a sua capacidade de identificar e de refletir sobre os mecanismos linguísticos e extra-linguísticos que constituem o processo comunicativo; em particular, aqui, ao texto escrito e a sua procução. É mister chamar atenção ao fato de que toda atividade de produção tem de caminhar de acordo com um objetivo, para que ela se configure como tal e não seja apenas uma mera redação escolar. 
         As considerações teóricas trazidas, aqui, não são uma novidade, como se possa supor, por serem encontradas nos argumentos dos novos parâmetros curriculares. Mas causa estranheza constatar que elas não fazem , ainda, (?), parte de muitos espaços dialógicos importantes, tais como os cursos de Letras, responsáveis pela formação dos futuros professores de Língua Portuguesa.
          Afirmar que os PCNs apresentam propostas inovadoras em que se ressalta o esforço para a promoção da reflexão e de sua transposição didática para, assim, realizar uma construção dialogada entre ensino e prática educativa está correto. Entretanto, é necessário admitir que a elaboração de tal documento e o reconhecimento de sua eficácia não bastam para que a prática educativa se dê de modo pleno e satisfatório.         
          Em suma, para que as postulações apresentadas se configurem em mecanismos de mudança e de promoção do saber é imprescindível que se invista no profissional de educação, oferecendo-lhe condições para que se mantenha informado, realizando estudos intensificados e com atualização constante. Assim, certamente, fazer-se-á a imperiosa contribuição ao ensino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ---. Estética da criação verbal, [trad. francês: Maria Ermantina Galvão; revisão: Marina Appenzeller]. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.279-287.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Os gêneros do discurso e a produção textual na escola. Campinas: UNICAMP, [mimeo].
------. Os gêneros do discurso. In: ---. Desvendando os segredos do texto, São Paulo: Cortez, 2002, p. 53-60.
MAINGUENEAU, Dominique. Tipos e gêneros de discurso. In: Análise de textos de comunicação, trad. de Cecília P. de Souza-e-Silva, Décio Rocha, São Paulo: Cortez, 2001, p. 59-70.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Interação em sala de aula e gêneros escolares do discurso: um enfoque enunciativo. [mimeo].
------. Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula: progressão curricular e projetos, In: --- et all, A prática de linguagem em sala de aula - praticando os PCNs, São Paulo: EDUC - PUC-SP, 2000, p. 27-38.
SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, nº 11, mai/jun/jul/ago-1999, p. 5-16.
------. Gênros e tipos de texto: considerações psicológicas e ontogenéticas, [tra. Roxane Helena Rodrigues Rojo - LAEL/PUC-SP, mimeo].

[1] Em alguns estudos desenvolvidos pela Linguística Textual, tipo textual é uma noção que remete ao funcionamento da constituição estrutural do texto, isto é, um texto, pertencente a um dado gênero discursivo, pode trazer na sua configuração váriosa tipos textuais como a narração, descrição, dissertação / argumentação e injunção, os quais confeccionam a tessitura do texto, ou, nas palavras de Bakhtin, constituem a estrutura composicional do texto segundo os padrões do gênero. De acordo com MAINGUENEAU (2001), p. 61, embora alguns autores empreguem os dois termos indiferentemente, a tendência atual é discerni-los: "os gêneros do discurso pertencem a diversos tipos de discursos associados a vastos setores de atividade social". Para Luiz A. Marcushi, " um tipo seria muito mais um construto teórico, ao passo que um gênero seria uma identificação empírica, mas não necessariamente a identificação de um evento".

[2] Neste gênero há a predominância de relações formais mediadas pela leitura / escrita, em especial, o que não significa ser uma característica exclusiva e sine qua non.

[3] Professor da Universidade de Genebra, desenvolveu trabalhos sobre este tema com SCHNEUWLY.

[4] Citam-se, aqui, as sequencialidades distinguidas por ADAM (1992): narrativa, descritiva, argumentativa, instrutiva e dialogal.




















quarta-feira, 18 de novembro de 2009

GÊNERO NARRATIVO: UMA DIALOGIA ENTRE LEITURA E ESCRITA

Autora: Nilza Pereira Crepaldi

          O nosso aluno da escola pública vem apresentando muitas dificuldades de letramento tanto na leitura quanto na escrita devido a um processo artificial de ensino da língua voltado ao imediatismo, quando os textos literários ainda são empregados mais como meros tipos invariáveis de textos do que como gêneros discursivos, cujo estudo do tema, estrutura composicional e estilo não levam em conta o seu destinatário, as condições de produção, a situação e o contexto interativo.
          Assim, o ensino da língua (leitura, oralidade, escrita, reescrita e análise da língua), na escola, deve estar voltada à interatividade, destacando a relação locutor e interlocutor, as condições sociais de produção, a situacionalidade, a contextualidade e os sistemas de referência em que ela é gerada, visando que os alunos a dominem em situações variadas, desenvolvendo-lhes um comportamento discursivo consciente e voluntário e ajudando-os a construir uma representação das atividades de escrita e fala em situações mais complexas, como produto de um trabalho de lenta elaboração. Essa metodologia de trabalho visa colocar os alunos em situações de comunicação que sejam as mais próximas possíveis de verdadeiras situações de comunicação, que tenham um sentido para eles, a fim de melhor dominá-las como realmente são e possibilitando-lhes uma prática nova de linguagem de difícil domínio.
          Deste modo é preciso pensar num trabalho em sala de aula norteado por uma sequência didática, partindo da mediação do gênero literário conto de fadas (o clássico Chapeuzinho Vermelho de Perrault) com atividades discursivas por meio da oralidade, bem como oportunidades para que o aluno responda à leitura pela produção oral, visual (plástica) ou escrita do gênero e atividade de reescrita, possibilitando pensar a sua escrita e reelaborá-la diante da intervenção de um ser mais experiente (colega e professor).
          Trata-se, portanto, de um procedimento didático baseado na metodologia de ensino da língua da professora Lopes-Rossi, defendida também por Lucília Garcez, Roxxane Rojo, Jaqueline P. Barbosa e muitos outros, e fundamentada na experiência didática dos europeus Bernard Schneuwly & Joaquim Dolz. Essa forma de trabalho poderá ter como proposta inicial à classe a produção de uma coletânea de conto de fadas a ser apresentada à comunidade escolar. Em seguioda, sugere-se uma produção in icial oral (hora do conto de fadas) dos alunos, de forma individual e/ou coletiva, quando a turma constroi uma representação a ser executada. A segunda parte é a apresentação do gênero conto de fadas, quando se discute, de forma interativa e dialógica, o tema, os elementos constitutivos e o seu estilo, familiarizando o aluno com a sua construção e levando-o a decodificar, compreender, interpretar e reter o seu conteúdo que é gerador de elementos que enriquecem a sua formação humana. A terceira etapa é a produção final do aluno, dando-lhe oportunidade de pôr em prática as noções e instrumentos estudados. Esta fase segue o mesmo processo de estudo do gênero, pois é o momento em que o aluno, pela mediação do (a) professor (a), num processo dialógico constante, reflita sobre sua escrita, analisando a linguagem de seu texto, fazendo as devidas adequações e reelaborando o seu produto final para ser inserido na coletânea de contos de fadas da classe.
          Essa abordagem literária está alicerçada nas concepções filosóficas do materialismo histórico de Bakhtin e nas teorias sócio-interacionista vygotskianas, enfatizando as condições de produção durante o processo de comunicação entre autor/locutor e leitor/interlocutor, mediados por um determinado instrumento/gênero narrativo e um ser mais experiente / o professor mediador. para isso, ao trabalhar nessa abordagem, o mediador deverá ter em mente: o que irá ensinar, isto é, qual será o instrumento de mediação empregado para atingir o educando (por qual gênero optar); que recursos e estratégias serão empregados para manter a interação e conseguir uma resposta ativa desse leitor/interlocutor, isto é, que exercício elaborar, que comandos usar e que meios físicos e humanos possam ser aí utilizados; quem será o seu interlocutor (nível, série, classe, aluno), por que irá trabalhar esse ou aquele gênero discursivo e quando será possível essa intermediação. Além disso, o mediador se pautará nos conhecimentos prévios dos alunos e selecionará conteúdos que possam elevar (em espiral) o nível mental de conhecimento deles, e para isso é fundamental que se diagnostique o nível real de conhecimento em que se encontra a sua classe. Em contrapartida, ele deverá, antecipádamente, preparar os exercícios voltados às necessidades do contexto sócio-cultural de seus alunos, motivando-os para o que será realizado e estar ciente que toda atividade de leitura ou de escrita gira em torno de um tema, um estilo e uma composição. Esses três itens estão interligados e, por isso, os elementos que os constituem devem ser analisados nas relações uns com os outros, mediante as condições de produção para que o enunciado constitua sentido para o leitor.
          Ao apresentar esse gênero discursivo (conto de fadas), após o contato íntimo do aluno com o texto, será necessário que o professor/mediador interfira oralmente, numa primeira etapa, com questões que o levem a pensar sobre as condições de produção do gênero para que ele notequem produziu o texto, quando e onde foi produzido, em que suporte e em que esfera social costuma circular, para que se produza tal gênero e para quem ele é produzido. A partir daí explora-se o tema do texto, o estilo adotado pelo autor e, finalmente, como o texto foi construído. Para isso, é fundamental que se oriente a classe, oralmente, instigando a participação coletiva dos alunos e registrando-a no quadro de giz. Nessa etapa, o profissional da educação poderá usar também algum recurso auxiliar pedagógico (visual, sonoro ou midiático) que a escola ofereça. O objetivo maior é levar o aluno a ver e sentir além do que está explícito no texto, ou seja, a sua ideologia, compreendendo os vazios que ali existem, para que venha desenvolver o seu senso crítico, capaz de pensar a sua realidade imediata e o universal, rompendo com os paradigmas da sociedade, combatendo preconceitos e mitos e criando instrumentos para enfrentar os seus problemas.
          Posteriormente, o aluno terá a oportunidade de responder à leitura por meio de uma produção textual (visual, escrita ou oral). O procedimento aqui será similar ao da leitura, pois é preciso escolher os comandos adequados para que o aluno consiga relacionar o que leu ao seu contexto de produção. Ao término da produção, o aluno fará uma auto-avaliação desta produção pela mediação de um colega de classe e, em seguida, você poderá intervir. Durante essa etapa, deve-se levar em consideração, principalmente, as condições sócio-interativas, pois, de produtor, o aluno passa, agora, a interlocutor de seu próprio texto, e o professor(a), o seu destinatário real e imediato. A intervenção do educador, nesse momento, ou seja, seus questionamentos, complementos, interrogações e sugestões, possibilitarão ao aluno refletir sua escrita. Nessa atividade, deve-se, primeiramente, verificar o enfoque que o aluno dá ao tema, perpassando, depois, para o estilo empregado, analisando as questões semânticas e sintáticas, para, num último plano, abordar a composição formal do enunciado (fonética, morfologia, léxico, pontuação, acentuação e ortografia).
          Ao iniciar esse trabalho com o ensino fundamental, é necessário solicitar aos alunos que tragam para a sala de aula tudo o que conhecem sobre conto de fadas, principalmente sobre o texto Chapeuzinho Vermelho ou que se relacione a esse conto.  Deve-se expor à classe a história dos milenares contos de fadas, que provêm da tradição oral e foram trasncritos e adaptados a partir do final do século XVII por quatro escritores: o francês Charles Perrault, o dinamarquês Hans Christian Andersen e os irmãos Grimm. Os alunos devem saber que antes de ter sido voltado para as crianças, o conto de fada foi originalmente criado para os leitores adultos e que dois fatores principais podem ser apontados para ajudar a esclarecer a transferência dos contos de fadas do universo adulto para o infantil. O primeiro é que, até o século XVII, a criança não era percebida como um ser socialmente distinto do adulto. Ela compartilhava com os adultos o mesmo tipo de roupa, os cômodos, o trabalho e também os ambientes sociais. Assim, circulando entre adultos, as crianças entravam em contato com os contos de fadas e invariavelmente se sentiam atraídas para o seu universo imaginativo. Cabe destacar também o papel-chave que as governantas, vindas da camada popular, desempenharam nesse processo ao contarem as narrativas folclóricas para os filhos dos nobres que ficavam aos seus cuidados. O exemplo desta importância está na capa da primeira edição de "contos da Mãe Gansa", em que Perrault mostra uma senhora idosa contando estórias para crianças ao pé da lareira. Será necessário que os alunos saibam que foi com Charles Perrault (França - 1628-1703) que se iniciou a Literatura Infantil.Dentre elas: O barba azul, A gata borralheira, Pele de asno, Chapeuzinho vermelho, O Pequeno polegar, O gato de botas, A bela adormecida, Riquete de crista, etc. Suas obras foram recolhidas do folclore, de fontes diversas, sendo a maioria de fontes italianas. O valor delas está na gratuidade, na atemporalidade e na sua universidade, pois não só atinge crianças, mas encanta a todos que ouvem ou lêem.
          Já os irmãos Grimm(Alemanha -Jacob, 1785-1863, e Wilhelm, 1786-1859) foram professores e folcloristas que viajaram recolhendo junto ao povo sua tradição e histórias, registrando-as, povoando o universo dos leitores (sem idade) de encanto das fadas. As três fadas, Plumas, Os sete corvos, Ovelho que virou jovem, A gata borralheira, Hans _ o ouriço, Chapeuzinho vermalho e O cervo são algumas obras desses autores que atemporalizaram o fantástico-maravilhoso dos contos de fadas, retiradas da essência do homem simples e que introjetadas de romantismo atingiram a alma da criança.
          Outro escritor de renome foi Hans Christian Andersen (Sec. XIX - 1805-1875) que também se baseou no folclore para escrever suas obras, pois nasceu do povo, viveu entre ele durante muito tempo e, mais tarde, apresentou essa cultura em seus contos por meio da expressão poética que não coube aos demais, não se preocupando com a questão moral pelo didatismo moralizante. Esse trabalho estético pode ser percebido em O patinho feio, O soldadinho de chumbo, A rainha da neve, Fábulas da minha vida, As galochas da felicidade, A sereiazinha, A pequena vendedora de fósforo, Sapatinmhos vermelhos, O menino moribundo e outras obras.
          É essemcial que a classe conheça um pouco sobre a Idade Média, quando essas histórias começaram a ser escritas, pois, naquela época, as pessoas viviam em aldeias e as florestas eram, de fato, cheias de perigos. A maioria das pessoas era analfabeta, incluindo os reis e era comum as mulheres morrerem no parto - não é à toa, portanto, que as madrastas aparecem bastante nas histórias infantis. Havia uma rígida divisão social e a ascensão de uma classe para outra só se dava pelo casamento ou pela descoberta de um tesouro. Nas florestas da Europa, o lobo era o símbolo do perigo. Na Rússia, era o urso.
          É preciso deixar claro aos alunos que esses contos, a princípio, não se destinavam às crianças, constituindo mitos difundidos por inúmeros povos. Ora, como o homem primitivo não tinha explicações racionais para o mundo, ele buscava no mito, na narrativa fantástica, a compreensão de todas as coisas. Daí ser os relâmpagos "armas dos deuses", as águas seriam controladas pelas sereias, determinada planta ou árvore surgiria de algum ato mágico, etc. São constantes nessas histórias a presença de duendes, anões, feiticeiros, animais falantes, objetos mágicos, as quais, durante toda a Idade Média e Moderna,  constituiram a literatura oral do povo europeu e que, a partir do século XVII, foram reunidas e recontadas por escritores.
          É necessário que os alunos saibam que, antigamente, as pessoas costumavam ter muitos filhos, apesar de muitos deles não sobreviverem. Nem sempre as famílias mais pobres tinham condições de sustentar o grande número de filhos, assim, eles eram deixados no meio do mato para os pais não verem seu fim, ou deixados em igrejas, supondo serem adotados por alguém. Outras eram mandadas embora de casa muito cedo para providenciarem seu próprio sustento. Muitos contos de fadas contam a luta heróica dessas crianças pela sobrevivência.
          É ainda relevante comentar aos alunos sobre a importância dos contos de fadas na linguagem dialógica e polifônica de Monteiro Lobato (Brasil), rompendo com a forma convencional de escrever contos infantis. Da mesma forma se deve falar sobre as adaptações de Walt Disney e sobre autores brasileiros que escrevem contos de fadas e fazem adaptações para um contexto contemporâneo, tais como: Maurício de Souza, Eva Furnari, Sylvia Orthoff, Bartolomeu Campos Queirós, Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Fernanda Lopes de Almeida, Marina Colassanti, Ziraldo, Emily Rodda Ernani, Edson Gabriel Garcia, Flávio de Souza, Aurélio de Oliveira, Regina Carvalho, Carlos Queiroz Telle, Fernando Portela, Flávia Muniz, Júlio Emílio Braz, Márcia Kupstas, Orlando de Miranda, Pedro Bandeira e tantos outros que enriquecem o acervo literário destinado a jovens pré-adolescentes e adolescentes de nosso país, contribuindo para a sua formação humana.
          É indispensável que o aluno conheça sobre a composição dos contos de fadas, atentando para a sua estrutura simples e fixa, pois ele tem uma característica bem marcante como na sua fórmula inicial: "Era uma vez..." e final: "... e foram felizes para sempre". Há neles também uma situação inicial, uma ordem pertubadora que desestabiliza a situação inicial, dando origem ao(s) conflito(s) que só é(são) interrompido(s) com o aparecimento de uma força maior que ajuda a restabelecer a ordem. O "Era uma vez..." remete o leitor ao passado e ao mundo irreal.
          Ao longo desses contos, as indicações da natureza são limitadas e vagas, não permitindo delimitar rigorosamente o tempo da ação e do espaço (casa, floresta, palácio, vilarejo, etc), proporcionando um caráter atemporal e universal, concedendo a eles uma reatualização constante. São eles ainda carregados de simbologia: rosa -símbolo do amor; beijo - desperta e faz renascer; lobo-mau - algo ou pessoa que quer fazer mal a alguém. São repletos de magia que alimentam a fantasia e a imaginação e ajuda a encarar os problemas da vida, a enfrentar os desafios e trazem esperança por dias melhores.
          Ao iniciar o trabalho com os educandos, pode-se propor que criem uma coletânea de contos de fadas a ser apresentada à comunidade escolar constituída de todos os textos produzidos pelos alunos da classe ou, então, uma outra atividade envolvendo os contos de fadas. Essa tarefa se tornará mais fácil a partir do instante que eles tiverem contato com o gênero propriamente dito e conhecerem a sua construção. Assim, para possibilitar a execução da atividade, o professor deverá começar pela apresentação do gênero.
          Para completar a preparação ao trabalho, o professor(a), investigará sua classe: Você conhece algum conto de fada? já leu, assistiu ou ouviu algum? Qual história você mais gostou? Por quê? Poderia cotá-la à classe? Esse recurso possibilitará ao aluno pesquisar, falar, dialogar com o professor e com a classe. Cumprida essa etapa, deve-se pensar em explorar o gênero, apresentando a primeira versão clássica de Chapeuzinho Vermelho, analisando-a em relação ao seu tema, seu estilo e sua composição, mediante as relações entre locutor e interlocutor, as condições de produção, o contexto e a situação de leitura.
          Essas atividades preparam o aluno e dão-lhe condições a responder à leitura de forma que possa planejar e elaborar suas idéias. O passo seguinte consiste em propiciar meios ao aluno para ele refletir sua produção. Essa proposta de atividade, porém, não deve visar uma mera higienização do texto do aluno, isto é, o professor não poderá usar a reescrita apenas como uma "operação limpeza", eliminando as impurezas, objetiveando apenas corrigir a ortografia, concordância e pontuação, priorizando a visualização da superfície textual sem dar a devida importância às relações de sentido emergentes na interlocução. Porém, ao propor o exercício de reflexão, o professor não deverá nortear o trabalho para a fragmentação da reescrita, onde os recursos linguísticos sejam tratados de modo desarticulados com a enunciação, sem significado, desencadeando uma reelaboração formal e mecânica. Todavia, deverá suscitar a discussão para acabar com o predomínio de um sentido único para o texto, ampliando as categorias mediadoras da reescrita diante da valorização do conteúdo do autor do texto, numa atitude de reflexão da linguagem (JESUS, 1997, p.99).
          Assim, diante dos comentários realizados, num diálogo consigo mesmo, numa atividade de internalização, o aluno-leitor-autor procura melhorar e tornar mais clara sua produção para um novo interlocutor, que poderá ser outro colega da classe, da escola ou alguém fora dela - o leitor virtual, reescrevendo a sua criação e, cada texto lido e produzido servirá para ele como ponto de partida para novas leituras e outras produções, as quais poderão ser renovadas, mostrando-se sempre superior àquela apresentada na primeira versão, graças às ações dos sujeitos envolvidos no processo. Essa produção final possibilita ao aluno pôr em prática as noções e os instrumentos elaborados, permitindo ao professor realizar aí a avaliação somativa (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004,p.106). O papel de interlocução, ou seja, da participação do outro na revisão e reestruturação do texto, exercido por um ser mais experiente, estimula e impulsiona o outro para uma direção mais distante, e a alternância entre o papel do aluno crítico e do aluno leitor faz com que haja reflexão e, aos poucos, mudança e amadurecimento da funções superiores da mente (GARCEZ, 1988).
          Esse processo enunciativo é lento, mas progressivo, e para gerar mudanças, na sala de aula, quer em relação à leitura ou à escrita, deverá ser repetitivo, contínuo e persistente, numa concepção de ensino em que o aluno desenvolve o seu conhecimento mediado por um professor também leitor-escritor que o orientar dialógica e cientificamente nessa construção, confirmando o papel articulador da escola para a formação de homens cidadãos, críticos e transformadores.

REFERÊNCIAS:

BAKHTIN, Mikail. M. (Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Laud e Yara F. Vieira, São Paulo: Hucitec, 1992.

________. Estética da criação verbal. Trad. Mª Ermantina G.G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

________. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução, notas e prefácio de Paulo Bezerra, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

________. Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. 4.ed. São Paulo: ed. da UNESP, 1998.